"Não olho para trás.
Aviso e profetizo com minha bola de cristais que vê
novela de verdade e meu manto azul dourado mais
pesado do que o ar. Não olho para trás e sai
da frente que essa é uma rasante: garras afiadas, e
pernalta."
Ana Cristina Cesar
Fui tateando as tuas palavras não ditas sob a imensa escuridão dos dias que sucederam tua partida. Cega de mim, surda de mim, muda e com um grito preso à garganta. Procurei entre os livros o resto do teu perfume; no milésimo copo vazio, entre as centenas de garrafas, procurei teu sorriso. E o preço que não pude cobrar, o preço que não pude pagar, pesavam-me ambos. Sufocavam-me como se criassem dedos e entrelaçassem, por puro sadismo, puto sadismo, minha garganta, comprimindo minha jugular. E o respeito se esvaindo como um homem torpe ao fim da noite: cambaleantemente e vexatoriamente. Cambaleva eu também, procurando-te, tateando as paredes, a calçada, as pessoas que vinham e iam além; e eu, aquém de mim. Os discursos atirados ao mar vazio que só o prazer vazio é capaz de proporcionar. Prazer vazio que só sente quem não sente prazer nenhum, não sente prazer real. Sendo incapaz de sabê-lo atira-se ao corpo mais próximo capacitado de preencher com a própria nulidade esse vazio. Quer respostas e não vai encontrar. Talvez também quisesse eu o prazer vazio que tanto apetece esses pessoas que vem e vão. E eu aqui. aqui. Tateando no escuro e procurando por tua presença. Atrás dos olhos de menina séria que Ana Cristina tanto falou. Ana C. que agora se populariza na boca de meia dúzia de gatos pingados que acham mesmo que o mais legal foi o salto. Não foi. O mais legal era te ter manca de mim, sentindo minha falta como se te arrancassem um naco da perna todo o dia. Aleijada de mim, sem sustento que bastasse, curativo que curasse. Era assim que te queria enquanto tateava os cantos do quarto, cega, em busca da saída. Cega de mim pois que incapaz de enxergar além de ti. E te querendo cega, surda, oca, louca, tão manca quanto eu.
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