"Certas melancolias só a correspondência recupera."
Ana Cristina Cesar
Ana Cristina Cesar
Sinto a tua falta. Dói a tua ausência da minha vida. Mesmo que a presença fosse só na primeira sexta-feria do mês na Augusta com a Jaú. Era um ritual, ainda que só eu mesma pudesse perceber e em segredo desejasse que todos os dias do ano fossem a primeira sexta-feira do mês na Augusta com a Jaú. Futuramente também desejei que todos os dias fossem domingos de sol para ir ao parque jogar bolinhas para cachorros. A vida perfeita poderia ser, então, a alternância entre essas sextas-feiras e esses domingos. Eu juro que seria incapaz de enjoar - embora a gente jure tanta coisa que não pode cumprir. Mas eu juro, sem precisar ou sem que me peça: jamais me cansaria.
Em contrapartida também me dói a madrugada de uma sexta-feira da paixão em que uns cem quilômetros me separavam de ti. E talvez aquela tenha sido a primeira sexta-feira de mês que odiei e praguejei com afinco em muito tempo. "Conheces a cabra cega dos corações miseráveis?".
Não sei qual das duas dores me incomoda mais. Acho até que se alternam de acordo com meu humor. Ou falta de. No último mês, se interessa saber, passei por todos os estágios de sentimentos possíveis e descobri outros que nem nome devem ter, encaixando-se na categoria de inclassificáveis, uma vez que não é possível saber se são bons, ruins, agradáveis, maldosos - impossível até de saber se são reais. Porventura cá estou tendo grandes chances de nada sentir. E se isso que sinto de vez em quando se classifica como nada, devo dizer que até sentir nada pode ser dolorido.
Pensei em você todos os dias. Nem que pensasse todas as noites especulando respostas antes de dormir. Nem para que fosse você a última coisa bonita para pensar enquanto o sono não me encharcava todo o corpo e me fizesse afogar em transe profundo. Nem que fosse para sonhar com você. E sonhei. Acordada e dormindo.
Formulei dezenas de perguntas e as tenho aqui, todas guardadas na minha cabeça. Acho, sim, que merecem respostas, no entanto não tenho o mínimo direito de fazê-las. A grande confusão foi descobrir, estando a pelo menos cem quilômetros de distância anteriomente mencionada, que alguém pôde fazer o que não pude. E naquele instante me tiravam o par da dança. Eu já havia visto a cena acontecer mesmo quando não acontecia. E doeu. Doeu bem fundo como dói quando perdemos aquela coisa preferida. Aquela que, se pudéssemos, guardávamos em uma redoma de vidro para que ninguém, nunca, jamais, em hipótese alguma, colocasse a mão. Só nós mesmos e ainda assim com extremo cuidado porque a sabemos delicada.
Senti inveja também - sentimento amargo e nauseante como o último gole de café que a gente bota na boca por teimosia -. Inveja de não ser eu a te tocar o cabelo com as pontas dos dedos, ou te enlaçar em meus braços e sussurrar qualquer coisa bonita no teu ouvido. Mesmo que tudo isso agora pareça uma ideia bastante idílica. Esse tipo de sentimento é capaz de comer, dia após dia, a razão da pessoa, tal qual comia a águia o fígado de Prometeu. Capaz de fazê-la cair em um abismo de malogros e outras coisas que não te interessam saber.
Nesse exato momento eu realmente não sei onde estou e o que posso esperar. Sei bem que o que quero, mas de nada me adiantar saber já que não posso ter. Também sei o que não quero, entretanto não é possível desmanchar passados e inventar futuros. Lido com a concretude do presente e com ela pouco sei o que fazer; apenas sinto sua frieza congelar minhas mãos.
Não sei se em algum momento já se sentiu assim. Espero que não. Embora algures em mim, mais sádico, mais obscuro, aguarde por uma resposta positiva para que reconheça o consolo das próprias dores nas dores dos outros. Que miseráveis medíocres somos nós.
Todas as contradições que sou incapaz de entender; e você, de explicar.
O que podemos fazer diante disso tudo? Antevendo a tua resposta te digo: eu também não sei.
Um beijo,
L.
P.S.: contraponho a teoria de que escrever alivia, pelo contrário, expõe ainda mais toda a angústia com a qual somos incapazes de lidar.
Em contrapartida também me dói a madrugada de uma sexta-feira da paixão em que uns cem quilômetros me separavam de ti. E talvez aquela tenha sido a primeira sexta-feira de mês que odiei e praguejei com afinco em muito tempo. "Conheces a cabra cega dos corações miseráveis?".
Não sei qual das duas dores me incomoda mais. Acho até que se alternam de acordo com meu humor. Ou falta de. No último mês, se interessa saber, passei por todos os estágios de sentimentos possíveis e descobri outros que nem nome devem ter, encaixando-se na categoria de inclassificáveis, uma vez que não é possível saber se são bons, ruins, agradáveis, maldosos - impossível até de saber se são reais. Porventura cá estou tendo grandes chances de nada sentir. E se isso que sinto de vez em quando se classifica como nada, devo dizer que até sentir nada pode ser dolorido.
Pensei em você todos os dias. Nem que pensasse todas as noites especulando respostas antes de dormir. Nem para que fosse você a última coisa bonita para pensar enquanto o sono não me encharcava todo o corpo e me fizesse afogar em transe profundo. Nem que fosse para sonhar com você. E sonhei. Acordada e dormindo.
Formulei dezenas de perguntas e as tenho aqui, todas guardadas na minha cabeça. Acho, sim, que merecem respostas, no entanto não tenho o mínimo direito de fazê-las. A grande confusão foi descobrir, estando a pelo menos cem quilômetros de distância anteriomente mencionada, que alguém pôde fazer o que não pude. E naquele instante me tiravam o par da dança. Eu já havia visto a cena acontecer mesmo quando não acontecia. E doeu. Doeu bem fundo como dói quando perdemos aquela coisa preferida. Aquela que, se pudéssemos, guardávamos em uma redoma de vidro para que ninguém, nunca, jamais, em hipótese alguma, colocasse a mão. Só nós mesmos e ainda assim com extremo cuidado porque a sabemos delicada.
Senti inveja também - sentimento amargo e nauseante como o último gole de café que a gente bota na boca por teimosia -. Inveja de não ser eu a te tocar o cabelo com as pontas dos dedos, ou te enlaçar em meus braços e sussurrar qualquer coisa bonita no teu ouvido. Mesmo que tudo isso agora pareça uma ideia bastante idílica. Esse tipo de sentimento é capaz de comer, dia após dia, a razão da pessoa, tal qual comia a águia o fígado de Prometeu. Capaz de fazê-la cair em um abismo de malogros e outras coisas que não te interessam saber.
Nesse exato momento eu realmente não sei onde estou e o que posso esperar. Sei bem que o que quero, mas de nada me adiantar saber já que não posso ter. Também sei o que não quero, entretanto não é possível desmanchar passados e inventar futuros. Lido com a concretude do presente e com ela pouco sei o que fazer; apenas sinto sua frieza congelar minhas mãos.
Não sei se em algum momento já se sentiu assim. Espero que não. Embora algures em mim, mais sádico, mais obscuro, aguarde por uma resposta positiva para que reconheça o consolo das próprias dores nas dores dos outros. Que miseráveis medíocres somos nós.
Todas as contradições que sou incapaz de entender; e você, de explicar.
O que podemos fazer diante disso tudo? Antevendo a tua resposta te digo: eu também não sei.
Um beijo,
L.
P.S.: contraponho a teoria de que escrever alivia, pelo contrário, expõe ainda mais toda a angústia com a qual somos incapazes de lidar.
além de tudo, também o p.s. foi de matar.
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