sexta-feira, 17 de julho de 2009

Antigo, da época que eu nem tinha blog.

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Silêncio interrompido pelo sintetizador*, a dor.
“Sintetiza a sua dor, por favor?” - Dizia ela, ao pé do espelho, pronta pra sair. Não havia o que ser dito, depois de tantos anos entendiam-se melhor ainda quando nenhuma palavra era dita. E, por bem ou mal, há muito tempo nenhuma palavra era dita.
Explosão dentro do peito. Ar rarefeito.
“Vamos!” - Repetia ela. Sem compaixão, sem perdão. Não havia tempo para explicações piegas.
Atravessava um oceano a nado pra fugir daquilo. Mas estava preso. INCHIODATO.
Se fosse embora saberia que ela não iria atrás, por mais que desejasse. Contudo, restar ali, imóvel, no mesmo lugar, não parecia ter tanta importância. Foi embora, talvez por duas ou três horas, quem sabe até alguns dias. O silêncio entre os dois ficara grande demais; e as verdades ditas nesses silêncios, pesadas demais. Era difícil sustentar uma vida muda, ainda mais quando essa mudez falava mais do que todo o barulho do mundo. Era difícil conviver com alguém que te despe do teu íntimo sem que você abra a boca.
Os dias passaram-se acinzentados, era outono e aquele sol gelado aparecia todas as manhãs, no meio de nuvens, para fingir que o aquecia enquanto caminhava em direção ao trabalho. As folhas secas, de um marrom ímpar, estalavam por baixo de suas pisadas contraídas, talvez um pouco sem vida. A vida é mesmo esse jogo estranho no qual nunca se sabe quem está ganhando ou perdendo. Viver era arriscar. E ele já havia se arriscado demais, se riscado demais, sempre, demais.
Longe dela o café sempre parecia mais frio, em compensação a cama parecia mais quente, quente como o inferno, o inferno que qualquer pecador merece. Com direito a diabinhos vermelhos espetando as nádegas daquele pobre pecador. Pensado bem, longe dela até o cigarro parecia sem gosto, em contrapartida, todas aquelas cinturas, cabelos, perfumes o davam mais fome. Uma fome dolorida, estranha, não lhe doía o estômago, doía mais fundo, um lugar que não sabia precisar, que não conseguiria alcançar. Quem se vende por sorrisos largos? Ele, certamente ele.
Desde a partida não derramara uma lágrima, sabia que seria assim, que seria expatriado de si próprio depois de assumir esta situação. Não podia chorar pois era estrangeiro dentro de si, e, se chorasse, não saberia dizer o porquê do choro. No fim era todo aquele conjunto que mexia com ele: mãos, cabelos, olhos & sorriso. Podia escrever uma carta, mas nada adiantaria, não há o que ser dito, não há um endereço certo, talvez nem um destinatário. Não há nada certo.
Num final de tarde - do tipo só um final de tarde - tudo deveria mudar. Intensidade. Aperto. Compressão. Mais falta de ar. Pensou que deveria parar de fumar, respirar tornava-se cada vez mais difícil. O mundo ao seu redor estava cada vez mais silencioso. Naquela tarde, em especial, só ouvia seu coração batendo compassado, rapidamente e de maneira forte, quebrando todo aquele silêncio que o fazia pensar que estava ficando surdo. Podia ouvir o sangue pulsar e correr por dentro dele. Dizer o mais simples é sempre mais complicado - pensava.
Nunca mais tinha tido notícias dela, parece que, de uma hora pra outra, de um dia pro outro, havia cavado um buraco na terra e desaparecido por completo. Na verdade nunca mais teve notícias de ninguém. Vivia como se não existisse, como se tivesse sido engolido por esse silêncio que pesava cada vez mais. Não é, nem nunca foi um silêncio comum, era daquele tipo sufocante, aquele que cala quando há TUDO a dizer. Não havia a quem dizer, e, se houvesse, tudo estaria muito quieto, quieto demais para que qualquer coisa fosse dita. Mas todas aquelas coisas não ditas exprimiam-se dentro de cada silêncio que havia nele. Era preciso falar, tirar a quietude aparente de si, escrever; de qualquer forma as palavras eram necessárias. Entretanto tudo isso era tortuoso demais, era despir-se, era tirar, a cortes de navalha, sua própria pele.
Não podia mais adiar, não podia mais calar aquele silêncio que gritava dentro dele. E naquela tarde, ao voltar do seu trabalho vazio, da sua rotina vazia, resolveu procurá-la, resolveu gritar, como na canção: “o grande escândalo sou eu, aqui, só”.
Pediu, baixinho, suplicando: entra dentro de mim, entenda meu silêncio, entenda esses meus gritos abafados. Devora esses silêncios, devora. Toma esse lugar pra você, ele é seu, descobre dentro de mim o que nem eu sei. Grita, grita dentro de mim e escuta o eco que o seu vazio deixou. É tudo seu, entra como você entrou da primeira vez, sem pedir licença, sem pedir perdão. Entra, fica, quedate. Vem que eu cansei de esperar, chuta a porta, entra rápido, talvez ainda dê tempo de salvar alguma coisa. Tudo foi em vão, o silêncio rompeu-se, e, dentro dele, um líqüido quente, espesso, vermelho escarlate encharcou-lhe o corpo, braços, pernas, e cabeça, era tarde demais, nada precisava ser dito.


*Roubadinho da Ana Cristina!

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