segunda-feira, 26 de abril de 2010

Tato

"Não olho para trás.
Aviso e profetizo com minha bola de cristais que vê
novela de verdade e meu manto azul dourado mais
pesado do que o ar. Não olho para trás e sai
da frente que essa é uma rasante: garras afiadas, e
pernalta."
Ana Cristina Cesar



Fui tateando as tuas palavras não ditas sob a imensa escuridão dos dias que sucederam tua partida. Cega de mim, surda de mim, muda e com um grito preso à garganta. Procurei entre os livros o resto do teu perfume; no milésimo copo vazio, entre as centenas de garrafas, procurei teu sorriso. E o preço que não pude cobrar, o preço que não pude pagar, pesavam-me ambos. Sufocavam-me como se criassem dedos e entrelaçassem, por puro sadismo, puto sadismo, minha garganta, comprimindo minha jugular. E o respeito se esvaindo como um homem torpe ao fim da noite: cambaleantemente e vexatoriamente. Cambaleva eu também, procurando-te, tateando as paredes, a calçada, as pessoas que vinham e iam além; e eu, aquém de mim. Os discursos atirados ao mar vazio que só o prazer vazio é capaz de proporcionar. Prazer vazio que só sente quem não sente prazer nenhum, não sente prazer real. Sendo incapaz de sabê-lo atira-se ao corpo mais próximo capacitado de preencher com a própria nulidade esse vazio. Quer respostas e não vai encontrar. Talvez também quisesse eu o prazer vazio que tanto apetece esses pessoas que vem e vão. E eu aqui. aqui. Tateando no escuro e procurando por tua presença. Atrás dos olhos de menina séria que Ana Cristina tanto falou. Ana C. que agora se populariza na boca de meia dúzia de gatos pingados que acham mesmo que o mais legal foi o salto. Não foi. O mais legal era te ter manca de mim, sentindo minha falta como se te arrancassem um naco da perna todo o dia. Aleijada de mim, sem sustento que bastasse, curativo que curasse. Era assim que te queria enquanto tateava os cantos do quarto, cega, em busca da saída. Cega de mim pois que incapaz de enxergar além de ti. E te querendo cega, surda, oca, louca, tão manca quanto eu.

domingo, 18 de abril de 2010

Para o meu menino do sorriso bom

Era o teu sorriso de menino bom que me fazia ter fé no mundo. Descobri isso depois, muito tempo depois do que todas as pessoas que te conheceram no mesmo tempo que eu. Mas que certamente não te conheceram como eu. Era você. E eu que cabia exatamente no teu colo, nos teus braços, no teu sorriso de menino bom que eu podia ver até quando me acenava da rua e eu olhava pela janela. Nunca soube o que dizer depois de tudo o que aconteceu. Nunca consegui escrever para dizer o quanto sinto a tua ausência, o quanto a tua voz grave e macia me falta. E as balinhas que me prometeu em nossa última conversa e não trouxe. Eu as queria porque viriam das tuas mãos. E aquela canção de Vinícius que era só nossa. Quando outras pessoas cantaram para mim era só em você que sabia pensar. "Os seus braços o meu ninho..."
Nunca pude escrever para te lembrar. Comecei milhares de vezes e não consegui ir além. Entretanto não há um dia em que pelo menos uma coisa mínima te traga de volta nos meus pensamentos. E vez em quando eu esqueço, esqueço e me pego a olhar pela janela. Sabe, depois de tudo, desde que se ausentou, a órbita do planeta se modificou um pouco, pelo menos do meu. Você foi embora e tudo ficou meio faltoso, vago, manco. E eu nunca mais esqueci do mês de abril, não que antes isso fosse possível, e comecei a não me esquecer de julho também.
Quando eu perco um pouquinho mais da fé no mundo olho um retrato teu. E o teu sorriso de menino bom está lá para me confortar, para me fazer lembrar que vale a pena insistir um pouco mais, porque às vezes a gente tira a sorte grande e encontra pessoas como você. Gosto de pensar que há alguma coisa de você em todos os outros sorrisos de pessoas boas que cruzam o meu caminho. Em algum lugar eu sei que você deve ajudá-las a me encontrar quando me perco. E quando fica tudo difícil mesmo, e o mundo parece não ter mais jeito, é no teu sorriso que eu posso encontrar o que suponho não mais existir.

sábado, 17 de abril de 2010


As coisas delicadas tratam-se com cuidado
(Filosofia cabinda)


Desossaste-me
cuidadosamente
inscrevendo-me
no teu universo
como uma ferida
uma prótese perfeita
maldita necessária
conduziste todas as minhas veias
para que desaguassem
nas tuas
sem remédio
meio pulmão respira em ti
o outro, que me lembre
mal existe


Hoje levantei-me cedo
pintei de tacula e água fria
o corpo aceso
não bato a manteiga
não ponho o cinto


VOU
para o sul saltar o cercado


Paula Tavares in: Ritos de passagem, 1985


Lindo, não?

quinta-feira, 15 de abril de 2010

É medo...

Sabe, eu também tenho medo quando tudo fica escuro e não tem ninguém para segurar minha mão. Medo quando faço silêncio e ainda há tanto para dizer. Medo de nunca poder dizer. Medo de dizer. Medo de mim quando a vida dói e eu já não sei mais pensar. Medo de querer dizer e a língua travar. Medo de nunca mais te ver. Eu sinto medo quando não tenho mais os teus pés para me guiar. E quando a tua imagem é apenas uma grande mancha desfocada bem distante de mim, você sabe, eu tenho medo. De me perder. De nunca mais me encontrar. Te encontrar. Tenho medo de perder o jogo que não sei jogar. Nunca aprendi. Perdi. Tenho medo de não saber responder o que mais gosto em você. O que deixei de gostar. Medo que nunca saiba o que é isso. E que tudo isso não passe, embora eu saiba que vai, é medo. E quando a minha voz falha e você me vê chorar, sabe? Eu tenho medo que você não saiba me abraçar e dizer que está tudo bem. Tenho medo como as crianças que não têm mãe para acolhe-las depois do pesadelo. Tenho medo das mentiras que foram feitas para não me machucar e machucam. E das verdades que nunca vou alcançar. E quando o nó não desata da garganta e a voz parece sumir, tenho medo que isso seja condição permanente. É muito medo para alguém que parece não ter nenhum. Pareço? Tenho medo de olhar pela janela e não encontrar. Eu não vou encontrar. A terceira janela para sempre fechada. Dá-me medo. É triste, consegue perceber? Tenho medo desses dias escuros. Tenho medo de mim. E de você também. E de janelas do sétimo, terceiro, quinto andar, medo também. Medo de nunca saber perdoar. De nunca ter perdão. Dos dois lados da moeda. É medo demais para um dia só, para uma vida só.





"E ringrazio sempre chi sa piangere
di notte alla mia età.
E vita mia che mi hai dato tanto
amore, gioia, dolore, tutto.
Ma grazie a chi sa sempre perdonare
sulla porta alla mia età."

Tiziano Ferro - Alla mia età

domingo, 11 de abril de 2010

Sometimes
It's hard to know where I stand.
It's hard to know where I am.
Or maybe it's a puzzle I don't understand.
Sometimes
I get the feeling that I'm
Stranded in the wrong time
Where love is just a lyric
In children's rhyme, a soundbite.


Keane - Is it any wonder?


Enfim, é isso aí, né? A partir de amanhã esse blog volta às atividades normais.
E a vida também.

'Bora viver um pouquinho. : )

sábado, 10 de abril de 2010

Das misérias humanas

Foi um verão atípico: vazio, frio, triste. Um verão chuvoso, “nubloso”, “invernoso”. Um verão com cara e gosto de inverno, daqueles que perduram por um bom tempo, um tempo indefinido, e destroem plantações, prejudicam invernos. Chegamos nos tempos escuros, aqueles em que tudo é noite, tudo é solidão e sofrimento. As ruas de São Paulo estão, ainda, cheias de gente, cheias de corpos, almas e mentes que transitam esbarrando-se, tocando-se, mas sem se misturarem. O corpo está ali, a mente não.
Ficamos sem saber se esse ano que acabou de começar traz novos e bons presságios. Tudo parece um cortejo contínuo do ano que partiu, e que, de alguma forma, também nos partiu, continua a partir, sem que haja tempo para nos desvencilharmos de nós, dos outros, de tudo. O verão continua como um inverno barato, sem graça, sem cor, e com um silêncio insuportável.
A casa que outrora foi quente apresenta-se fria, vazia, e no lugar daqueles sons tão característicos, agora queda-se o silêncio em uma grandeza sem fim. Uma grandeza capaz de comportar o mundo inteiro. Eu, você, nós todos. Só não pode suportar o mundo que pusemos, todos, cada qual em seus ombros.
Custou-me ter coragem para sentar e escrever, as palavras cobram-me de uma maneira dolorida. Custou-me noites, tempo, vontade. É engraçado como somos capazes de caber em meia dúzia de palavras e, ainda assim, não cabermos em nós. “Hoje sou eu que estou te livrando da verdade”, porque me sobro em mim, me perco em mim. Perco-me porque te procuro, porque procuro os demais e sei que não posso encontrar.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Não tem calma no meu caos...

Tudo frio e vago como deveria ser e eu não canso de me surpreender. A tua imagem traduzindo-se em rostos que nunca vi. E o gosto da tua boca perdido em todas as outras que beijei. Sem jamais te tocar. Não posso responder perguntas quando também tenho dúvidas. Quando o certo passa a ser duvidoso e mais. Sempre mais. Não sei explicar o que só sei sentir. E não, não é agradável. Não é reconfortante. Não é bonito. Dói. É feio e me faz mal na maioria do tempo. É "feio" como a pintura do Munch porque assusta, porque é possível ouvir o grito ao ver a pintura, ouvir ao ver de maneira bem sinestésica. Porquê insisto em continuar é um mistério. Era, talvez, uma ponta de esperança de que pudesse ser diferente. No entanto, é sempre igual. Não preciso de mais perguntas. Preciso de respostas. De cara lavada às cinco da manhã, mais um maço de cigarro e meio litro de café. Também preciso de um casaco mais quentinho para quebrar o vento que tem me cortado quando ando na rua. E a única coisa que quero explicar é que existe diferença entre próclise e ênclise. E que mais não é uma conjunção adversativa, porque faz sentido e meus alunos precisam entender. Tudo isso eu deixo para amanhã. Não existe beleza em se sentir assim, tampouco glamour. Não serve nem para "escrever bonito" como se pode percerber.

E para quem anda me perguntando o que é o amor, ontem comprei um livrinho do Baudelaire Meu coração desnudado (recomendo leitura) e ele também se questiona algumas vezes:

"O que é o amor?
A necessidade de sair de si.
O homem é um animal adorador.
Adorar é sacrificar-se e prostituir-se.
Todo amor é, pois, prostituição."

Nunca me pagaram. E a dívida é gigantesca. É capaz que eu também deva.

Eu também não entendo. Eu também gostaria de entender. Eu também estou cansada.

domingo, 4 de abril de 2010

"Why do I give valuable time to people who don't care if I live or die?"

Não faz muito tempo que escrevi um texto a respeito da minha descrença no gênero humano Tesla, Tesla, Tesla a quem interessar possa. Sabe, quando digo que tenho medo das pessoas é isso que que quero dizer. É isso que falo. É um medo tão grande que faz com que eu tenha medo até de mim. E a descrença só aumenta.

"O silêncio é o sofrimento da palavra, quando a poesia do silêncio lhe é roubada. A vingança dos desapropriados é o barulho da prosa do mundo. Se eu pudesse falar, pegaria andorinhas em pleno vôo."

Marcos Siscar

A garganta fechou e tudo o que eu quero dizer está perdido em algum lugar que ainda não descobri. Ando cansada de procurar erros que não são meus, de expiar a culpa alheia para que se durma melhor enquanto eu passo as noites em claro. Verdade contada pela metade é mentira partida ao meio - informo para quem desconheça.

"Em cada lugar por onde passo, quero de mim uma nova coragem", tenho procurado. Eu queria dizer mais, muito mais, mas acho que meu ceticismo no mundo me emudeceu um pouquinho mais. Eu volto.