domingo, 29 de agosto de 2010

Segundo

"O mito é o nada que é tudo."
Fernando Pessoa

Um dia eu ainda conseguirei escrever um texto a respeito do segundo que faz uma coisa se tornar completamente outra. Aquele segundo que faz tudo se transformar. Os milésimos de segundo que, por exemplo, transformam a vida em morte. O último segundo da vida. Depois nunca mais. O último segundo em que é permitido ter acesso a quem se ama ou amava. O momento de se tornar estranho para a pessoa que, porventura, mais te conheceu.
Acho que esse segundo é uma das imagens mais poéticas que conheço e por isso mesmo mais difícil de se representar. É o tudo que precede o nada, sabe? Às vezes o contrário. O instante que divide, separa, une, transforma uma vida. Dois que se tornam um ou três. Sempre um segundo que separa as mãos que logo adiante se encontrarão e, juntas, construirão uma outra história. Sempre tem um segundo que separa a mão espalmada que vai de encontro ao peito do outro pedindo para que não se aproxime mais. A última palavra quando o maior ponteiro do relógio se movimenta. E depois silêncio. Silêncio de pedra. O segundo do último suspiro, da última piscada de olhos, do toque quente da mão no rosto. O segundo que divide o gole da embriaguez. O segundo do despertencer. O segundo que pela primeira vez meus olhos quedaram-se nos teus. O eterno segundo que jamais antecedeu a chegada da tua boca na minha. Aquele segundo que me divide de você.

Eu queria escrever um texto sobre a exata imagem das coisas em devir.


sábado, 28 de agosto de 2010

Resta in Ascolto




Eu tinha esquecido como o Resta era perfeito.

E tu, l´aria assente, quasi come se io fossi trasparente.


terça-feira, 24 de agosto de 2010

"A vida é toda um processo de demolição. Existem golpes que vêm de dentro, que só se sentem quando é demasiado tarde para fazer seja o que for, e é quando nos apercebemos definitivamente de que em certa medida nunca mais seremos os mesmos."
Scott Fitzgerald

sábado, 21 de agosto de 2010

Lígia
Tom Jobim / Chico Buarque

Eu nunca sonhei com você
Nunca fui ao cinema
Não gosto de samba não vou a Ipanema
Não gosto de chuva nem gosto de sol

E quando eu lhe telefonei, desliguei foi engano
O seu nome não sei
Esquecí no piano as bobagens de amor
Que eu iria dizer, não ... Lígia Lígia

Eu nunca quis tê-la ao meu lado
Num fim de semana
Um chopp gelado em Copacabana
Andar pela praia até o Leblon

E quando eu me apaixonei
Não passou de ilusão, o seu nome rasguei
Fiz um samba canção das mentiras de amor
Que aprendí com você
É ... Lígia Lígia

Você se aproxima de mim
Com esses modos estranhos e eu digo que sim
Mas teus olhos castanhos
Me metem mais medo que um dia de sol
É... Lígia Lígia

E quando você me envolver
Nos seus braços serenos eu vou me render
Mas seus olhos morenos
Me metem mais medo que um raio de sol
É... Lígia Lígia


terça-feira, 10 de agosto de 2010

Day 7

Cé,

tenho saudade. Depois que as coisas terminaram eu nunca te disse, como tudo estava confuso para mim. Havia coisas que não conseguia entender e por mais que quisesse te contar não seria justo te machucar desse jeito. Não seria justo machucar mais do que já havia machucado. Depois de sete anos não conseguia entender como o amor podia ter mudado, se transformado mas a verdade é que quem estava se transformando era eu. E foi um peso muito difícil de carregar, de suportar. Por mais necessário que fosse terminar, era extremamente dolorido mudar o teu lugar na minha vida.

Naquela tarde de final de maio, tentei, em vão, te segurar na porta e pedir para que ficasse. Você foi embora e só soube depois, um ano depois, que tinha ficado na escada. Tive medo de começar de novo, de começar sem você. Por muito tempo continuei a te espiar pela janela, a ouvir o barulho do freio de mão deo teu carro, a tua voz chamando a Julie. As coisas estavam mudando, quase não nos falávamos e em boa parte porque eu não queria. O que você nunca soube, o que nunca te contei, é que falar com você sem poder ter você era realmente desgastante. Doído.

Agora eu consigo ver o quanto éramos pequenos quando tudo começou. O quanto eu cresci do teu lado, o quanto eu pude aprender. Você foi o primeiro, o único, você foi o melhor. Se eu sou uma pessoa um pouquinho melhor é porque você com toda a paciência para me mostrar que não precisava levar tudo tão a ferro e fogo.

Hoje já não olho tanto para janela, não ouço mais tua voz, não tenho mais o teu abraço, e nem o teu sorriso de menino bom, sempre o mais bonito e sincero. Mas tenho todas as coisas boas que você me trouxe. Tenho sete anos da minha vida, sete anos que fizeram de mim uma pessoa melhor e me mostraram o quanto você era bonito. Sempre mais.

Eu tive muita sorte. Nunca te disse, mas tive.

Um beijo na testa,

Lud

P.S.: "E você tem de ser a estrela derradeira, meu amigo e companheiro no infinito de nós dois" - Ninguém vai tirar essa canção da gente. : ]

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Day 15

Querida Amália,

não é possível que se passe um dia e eu não me lembre de você. E ainda continuo me perguntando por que e procurando razões. Quando as pessoas me diziam que o sentimento seria o mesmo, que eu é que iria me adaptar a ele e não o contrário, confesso que achei um grande clichê mas o tempo acabou confirmando a veracidade da frase. Sei que a saudade que tenho de você não diminuirá. Não acabará. E sempre que algo novo acontecer lamentarei o fato de não poder te mostrar ou contar. Sinto falta do teu cabelinho raso, do pudim e de quando cantava com tua maneira tão peculiar. Sinto muito pelas coisas que quis dizer e não pude, e não disse. Você me faz falta todo dia. Todos. Os. Dias. Do sotaque arrastado, a fala rápida, as unhas com a mesma cor de esmalte de sempre. Se eu pudesse queria de novo, outra vez. O quintal da tua casa que era tão grande na minha infância e que depois ficou pequeno, agora é grande outra vez, porque eu te procuro em cada canto daquela casa e não posso mais encontrar. Nem o teu cheiro.


Amo você,

Ludê.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O nome que não se deve dizer

Teu nome dança na minha boca querendo sair e se a primeira letra escapa, engulo forçado todas as outras para não te chamar. Teu nome tentando escapar, criar vida e tomar a tua forma. Querendo fugir enquanto durmo e sonho com você. Dissimulo fingindo não ouvir quando quero Ana e sai apenas o de antes. Se pelo menos saisse a ana mais a parte do teu. Se. Engulo letrinhas e tento não engasgar quando cada parte do teu nome me desce pela garganta querendo por ali ficar. Insistindo em ser som. E eu querendo a mudez. Fecho a boca e os ouvindos quando, sem querer, me escapam partes de ti. Apenas o que sobrou. Teu nome que dança na minha boca e eu controlando a necessidade de dizer. Sem querer te chamar. Sem chamar. Mas você não sabe. Ninguém sabe. Dos nomes que não se diz, o teu é o mais gostoso de dizer. Mas se te chamo, chamo em silêncio que é para ninguém notar.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Day 14

Subvertendo a ordem das cartas, a primeira será a úlitma.

M.,

não é a primeira vez que te escrevo mas acredito que seja a última. É difícil falar e brigar com o silêncio alheio. Falar para nunca ouvir. A nossa distância já se tornou condição permantente e talvez seja melhor não lutar contra isso, deve haver algum motivo e não é o momento de questionar. A verdade é que já me incomodou muito mais o fato de não ter você por perto, nem que fosse por e-mail, ou no boteco de sempre. Eu lamento muito: a distância, tudo o que deu errado sem nem principiar, tudo que foi e que gostaria que não tivesse sido. Mas todas essas coisas, as coisas em que você não quis acreditar, as outras com as quais eu não soube lidar, tudo que de alguma maneira me sufocou, todo o jogo de perdas e ganhos, perdas e danos, não quero mais carregar em mim. Os filmes, Depeche mode e a sensação de que estarei sempre hanging on your words, ainda que você não acredite, ainda que nunca saiba o que é isso. Como eu também continuo sem saber o porquê de ser você e desse sentimento crescer em PG ou de alguma outra forma matemática similar que não domino. Alguma coisa mudou na ordem mundana (ou na ordem do meu mundo) naquela noite de outubro, você foi o pouquinho de saúde, o descanso na loucura, e eu faria de novo, faria. Mas agora é o momento de parar. Sinto tua falta. O Silêncio consumiu qualquer tipo de expectativa e tudo o que quero guardar são pedaços de coisas boas que tive. As coisas que fui obrigada a aprender, o que pude escrever, os lugares que ficaram mais coloridos com você por perto. Não quero mais perder o olhar na porta esperando você aparecer. Não quero mais o coração na boca. Não quero mais esperar por coisas que não se esperam. Eu recomeçaria, mas parece que perdemos o fio da meada em algum lugar e não sei se ainda é possível voltar atrás. Eu esperei por muito tempo as respostas e hoje sei que não são elas que colocam o ponto final nas coisas. Talvez, um dia, eu consiga voltar e guardar as coisas sem me machucar. Ainda não tenho certeza.


Um beijo, cuide-se bem,

L.