segunda-feira, 2 de abril de 2012

Inconfissões V

"Ignorar teu choro e só cuidar de mim"
Chico Buarque - Uma canção desnaturada

Preciso de um lugar que seja meu, para que possa construir, ainda que sozinha, uma vida que seja minha. Aqui não encontro mais espaço, e não são os livros que ocupam a maior parte de tudo, tampouco o quarto apertado em que vivo. Nunca pertenci a esse lugar e parece que como tempo a sensação de não-pertencimento continuou crescendo. Não sou daqui e, além disso, peso. Peso no ombro alheio, nas vistas alheias. Peso em um ambiente no qual não me encaixo.Embora tenho feito morada dentro de mim, as paredes começam a se mostrar gastas e parece que a casa que já sustentou tanto está prestes a ruir.
Não pertenço. Não me pertenço quando aqui dentro estou. E todo dia a vontade é de não regressar. Seja por falta de coragem, falta de impulso, vou restando. E, claro, pagando o preço. Ocasionalmente sinto-me amarga. Confrotada, criatura reconhece em si o próprio criador. E dói. e faz-me ainda mais amarga. Fechada. Hermética. Incapaz de dividir a aflição. Não sei ao certo o que de torpe ainda me prende aqui. O sibilar da serpente talvez. Resto em um ambiente em que não me reconheço. E parece que sou cada vez mais eu, dentro mim. No entanto todos os dias em que me olho no espelho vejo menos de quem sou.
Não quero um lugar para recomeçar. Quero um lugar para ser. Para que possa existir do modo que nunca pude. Para que possa ser além de mim, aquém daqui. E, que se quiser ser nós também possa. Quero existir sem medo de me tornar criador. Desfazer o vínculo que se outrora alimentava, agora só é capaz de produzir veneno. Quero-me pura. Ímpia. O silêncio dentro de mim. O cessar das vozes.
Quero poder ouvir o som do meu próprio silêncio, encontrar em mim o que não é inferno. Quero existir para além dos meus limites. Para além de todas as vozes que me dizem e sempre me disseram não.