quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Isso daqui (e o "Dinossauro Excelentíssimo", de José Cardoso Pires) é uma das coisas mais inteligentes produzidas na época do Salazarismo:

Ova ortegrafia

Ecidi escrever ortado; poupo assim o rabalho a quem me orta. Orque quem me orta é pago para me ortar. Também é um alariado. Também ofre o usto de ida. Orque a iteratura deve dar sinal da ircunstância, e não não tem ustificação oral. E ais deve ter em conta todos os ofrimentos, esmo e rincipalmente os daqueles ujo rabalho é zelar pela oralidade e ordem ública – os ortadores.
Eu acho que enho andado esavinda omigo e com a grei, com tanta iberdade de estilos e emas e xperimentalismos e rocadilhos que os ríticos e eitores dizem arrocos e os ortadores, pelo im, pelo ão, ortam. A iteratura eve ser uma oisa éria e esponsável. Esta é a minha enúncia ública. (Eço esculpa de esitar nalguns ortes, mas é por pouco calhada neste bom modo de scrita usta ao empo e aos odos).
Izia eu que o ortuguês que ora, nesta ora de rudência e sforço, se não reduz a orma imples, não erve a vera íngua da Pátria. (Por enquanto só orto ao omeço, porque a arte de ortar não é fácil; rometo reinar-me até udo me air aturalmente ortado e ao eio e ao im).
Outros jovens me eguirão o rilho. Odos não eremos emais para ervir na etaguarda os que, em árias frentes, por nós se mputam.
A issão do scritor é dar estemunho e efrigério aos e dos omentos raves da istória, ao erviço dos ideais da sua omunidade; ervir a oz do ovo, espeitar a oz dos overnantes egítimos.
Olegas, em ome da obrevivência da íngua, vos eço pois:
Reinai-vos a ortar-vos uns aos outros omo eu me ortei.


Maria Velho da Costa, Desescrita, Ed. de A., Porto, 1973.

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