sábado, 26 de junho de 2010

Da arte do desapego

Tenho praticado. E ao contrário do que se pode pensar, não consiste em perder tudo de uma vez, mas sim aos bocadinhos. Um pedaço de cada vez. Primeiro a presença e depois, para que os olhos se desapeguem, a imagem. Aos poucos os grandes textos sem coesão ou coerência vão perdendo espaço, depois os parágrafos vão sumindo, as frases serão libertas até que reste somente uma palavra. Uma. Sempre a mais difícil de desapegar, mas que se consegue perder ao parar de repetir.
Adiante aprende-se a se livrar do cheiro descobrindo outros, que serão melhores se assim quiser. A arte do desapego não exige desamor, ao contrário, só é possível se desapegar daquilo que se ama porque são as únicas coisas que nos pertencem. Com paciência pode-se perder o som da voz, as canções e os bares de uma rua qualquer. Os ruídos vão se despertencendo até o silêncio tomar lugar e tudo se transformar em calmaria e quietude. Sabe-se, então, que o processo está próximo do fim. Desapegando um dia de cada vez até que os desejos não atendidos sejam somente uma parte daquilo que não se pôde viver e que, no entanto, pôde-se deixar para trás. A arte do desapego exclui o mal que supunhamos fazer bem.

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