domingo, 29 de agosto de 2010

Segundo

"O mito é o nada que é tudo."
Fernando Pessoa

Um dia eu ainda conseguirei escrever um texto a respeito do segundo que faz uma coisa se tornar completamente outra. Aquele segundo que faz tudo se transformar. Os milésimos de segundo que, por exemplo, transformam a vida em morte. O último segundo da vida. Depois nunca mais. O último segundo em que é permitido ter acesso a quem se ama ou amava. O momento de se tornar estranho para a pessoa que, porventura, mais te conheceu.
Acho que esse segundo é uma das imagens mais poéticas que conheço e por isso mesmo mais difícil de se representar. É o tudo que precede o nada, sabe? Às vezes o contrário. O instante que divide, separa, une, transforma uma vida. Dois que se tornam um ou três. Sempre um segundo que separa as mãos que logo adiante se encontrarão e, juntas, construirão uma outra história. Sempre tem um segundo que separa a mão espalmada que vai de encontro ao peito do outro pedindo para que não se aproxime mais. A última palavra quando o maior ponteiro do relógio se movimenta. E depois silêncio. Silêncio de pedra. O segundo do último suspiro, da última piscada de olhos, do toque quente da mão no rosto. O segundo que divide o gole da embriaguez. O segundo do despertencer. O segundo que pela primeira vez meus olhos quedaram-se nos teus. O eterno segundo que jamais antecedeu a chegada da tua boca na minha. Aquele segundo que me divide de você.

Eu queria escrever um texto sobre a exata imagem das coisas em devir.


2 comentários:

  1. lindo...

    isso me faz pensar no segundo que separa a perfeita paz do começo da complicação.

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  2. eu espero mesmo que vc escreva esse texto um dia

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