terça-feira, 2 de novembro de 2010

Do Diário de Saló:

São Paulo, 3 de outubro de 2007.

Não, ainda não opero milagres e nem sei se um dia poderei o fazer. Provavelmente não. Sou incapaz de voltar ao que fui um dia e mais incapaz ainda de ser o que pretendo; desta maneira, sou não sendo, sou sem ser, com partes que me sobram e outras tantas que me faltam. Não só fisicamente. Apenas sou pela oposição do que não sou: não sou mais homem, mas não cheguei a me tornar mulher. Como é possível ser sem ser? Ser e não ser nada? Ser em oposição ao que não se é? Ninguém tem respostas para estas perguntas e parece-me que terei a vida inteira para encontrá-las. Não sei quanto tempo dura uma vida. Não sei quanto tempo durarão duas – entretanto sinto que estou prestes a descobrir.

Já me matei uma vez. E quando fui renascer parei no meio do caminho, incapaz de completar o processo. Incapaz de gerar a mim mesma. Nasci antes do previsto, mas muito tarde para me concluir. Sobram-me partes erradas, partes que não desejo em mim. E falta-me tanto. Tanto. O que já perdi. O que nunca tive. Existo como parte estranha no mundo. Pertenço à parcela que é invisível, mas não o suficiente para não incomodar. Completo-me de partes erradas. As que desejo e tenho não são minhas, as que repudio parecem ser impossíveis de me livrar.

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