domingo, 17 de maio de 2009

Aqui os meus crimes seriam de amor*

Estou aqui para confessar um assassinato. Já faz um tempo, eu sei, mas essa mistura de culpa e alívio tem me perseguido desde então, e por isso mesmo eu preciso confessar. Acho que ninguém, evidentemente, sente falta da minha vítima, o que não torna o crime nem mais bonito, nem mais digno, mas confesso, senhores, eu precisava matar. Poderia aqui argumentar que foi em legítima defesa, contudo vocês me perguntariam do que eu me defendia e isso eu não posso revelar. Matei. Matei sufocando, estrangulando, não porque eu não queria que sangrasse, muito pelo contrário, eu queria que derramasse muito sangue, bem vermelho, para sujar o chão e se misturar ao meu sangue que também estava ali, seco, mas sufoquei porque queria ver a minha vítima agonizar, chorar, implorar, para compensar o que eu já tinha chorado, agonizado e implorado por todo tempo que esteve viva. Como eu disse, sinto culpa, mas alívio é tão superior ao crime, não havia escolha. Tentei várias vezes e sem sucesso, afastá-la de mim, entretanto como um cão sem dono, fácil e carente, ela corria atrás de mim e, senhores, eu me entregava.
Depois de morta e enterrada acreditei que nunca mais a veria, porém há alguns dias ela tornou a aparecer, primeiro de maneira discreta, e então eu conseguia escondê-la entre uma frase e outra, no meio de outras pessoas, agora ela praticamente me persegue, sinto que voltará, que tomará meu corpo porque, como uma vontade insatisfeita, deseja renascer em mim. Não posso permitir, não posso, como também não posso contar aos meus amigos que a vejo, porque se antes eles não se davam conta dela, agora é que não podem, e não devem sabê-la. Tenho medo que, cedo ou tarde, ela também me sufoque, me mate. Preciso evitar enquanto ainda há tempo, porque, a cada dia que passa, ela volta com mais um pouquinho de força e eu nego, como já neguei tantas vezes enquanto relutava para não matá-la.

*Em contraposição a frase: "aqui os meus crimes não seriam de amor" A.C.C.
E, sim, o texto tá uma merda.

4 comentários:

  1. bom demais.
    eu acho que metáfora é o forte do nosso signo. ou é só o "saber do desastre, mas querer mesmo assim"

    lindo.

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  2. Bravo, Lud!!

    gostei tanto e tanto deste seu texto. Obrigada por postá-lo.

    beijos

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  3. caralho, ludi, esse foi um dos seus mais bonitos

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  4. Ei moça, legal seu blog..
    Escuta.. me dá um oi lá no orkut para eu saber quem é você. Quem sabe a gente papea mais? Tb adoro os moçambicanos..Mia couto? AMO. Já falei muito dele no blog. Beijos, Mariana do Passagem para Belem

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