quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Da necessidade de dar nome às coisas

"No meu caso, não, a ausência me deixa submersa, sem acesso a mim.
Este é o meu conflito: quando estás, não existo, ignorada.
Quando não estás, me desconheço, ignorante.
Eu só sou na tua presença.
E só me tenho na tua ausência.
Agora, eu sei. Sou apenas um nome.
Um nome que não se acende senão em tua boca."

Mia Couto


Na gênesis bíblica tudo começa com a palavra: "no princípio era o verbo". Desde então a necessidade de nomear o que se encontra faz parte da vida humana. Transfromar o objeto em palavra é torná-lo real. No limbo do mundo está tudo aquilo que não tem nome, uma vez que a ausência desse limita a existência das coisas que desejam ser. Por não terem nome não podem ser definidas, não se encaixam em x tampouco em y, e por isso são incapazes de se formar através do olhar do outro. Porque eu, pronome pessoal do caso reto da primeira pessoa do singular, e porque existe você, tu, na segunda do singular, é que somos capazes de formar o nós, na primeira do plural que nos engloba.

Através das palavras pode-se definir a relação do eu com o resto do mundo. Assim, graças à possibilidade do verbo, separam-se amigo de namorado, pai de mãe, patrão de empregado, amante de esposa.. Sendo ainda possível ir além e definir sentimentos: amor (familiar, amistoso, de casal), ódio, desejo, tesão, ira. É apenas pela palavra que consigo compreender que tipo de relação tenho com o outro. Chega-se, então, à segunda parte do texto, aquela que explica o porquê de tudo o que foi dito até agora. Da necessidade de identificar o que temos é que ele nasceu. Faz tempo que estamos neste campo da indefinição, talvez porque tenha sido essa a regra do jogo que estabelecemos sem perceber ou porque temos medo. Somos sem ser. Encaixamo-nos em que espaço? Em que compartimento linguístico nos definimos?

A minha parte racional (que até pouco tempo eu ignorava a existência) quer a junção do significado + significante para que possamos localizar o nosso lugar, para que passemos, de fato, a existir. A outra, no entanto, anseia por prosseguir com essa brincadeira de indefinição mesmo sabendo da possibilidade (uma em uma – segundo informou a agência de estatísticas da minha vida) de me machucar outra vez e no menor intervalo de tempo que já existiu.

Esta tensão sentimental piora ainda mais quando penso que é possível que cheguemos a um ponto no qual eu não consiga mais retroceder uma vez que estarei entregue ao que sinto, e você será incapaz de avançar. O curioso é que até para esse tipo de situação existe um signo linguístico: Áporo. É uma palavra bonita que nomeia um poema igualmente belo de Carlos Drummond. Teremos uma relação aporística, sem solução, uma grande questão que não pode ser resolvida, um impasse que “prestamente” não se desatará: você, impossibilitada de avançar, eu, incapaz de voltar. Essa limitação nos machucará.

Uma única palavra seria suficiente para evitar tamanho desgaste. Por não ter nome, isso que temos, corre o risco de jamais existir, arriscamos a nos perder no imenso abismo do nada, daquilo que nunca foi e que agora também não é. Eu só preciso de um nome para me segurar em você. Só um nome para não te perder.

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